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Redução da jornada e isenção no imposto de renda: bases para o desenvolvimento sustentável

Parcela significativa da população continua sem acesso à renda e a empregos dignos, situação que limita o consumo e o investimento, desacelerando o crescimento das empresas e a criação de vagas de trabalho


POR Dieese

Publicado em 05 de maio de 2025


Em 2024, houve significativa redução da desigualdade social no Brasil, graças ao crescimento de 10,7% na renda do trabalho dos mais pobres, resultado da criação de empregos formais e das políticas de transferência de renda. Também é preciso destacar a importância da política de valorização do salário mínimo, descontinuada em 2019 e retomada em 2023, que beneficia 59,9 milhões de brasileiros, entre assalariados, funcionários públicos, aposentados, pensionistas e usuários de benefícios sociais.

São movimentos, possibilitados por decisões políticas e econômicas, nada desprezíveis para a realidade socioeconômica brasileira, contudo, é indiscutível que o país ainda está longe de resolver as mazelas da pobreza e da desigualdade. Tanto que o rendimento médio mensal dos 1% mais ricos do Brasil ainda foi 40 vezes maior que o dos 40% mais pobres em 2023.

É essa situação de desigualdade que impede o desenvolvimento sustentável do país, uma vez que parcela significativa da população continua sem acesso à renda e a empregos dignos, situação que limita o consumo e o investimento, desacelerando o crescimento das empresas e a criação de vagas de trabalho. A consequente queda da geração de riqueza compromete a inovação e o desenvolvimento tecnológico, o que restringe o potencial econômico do país.

Para consolidar a tendência positiva de 2024 e garantir crescimento sustentável e equilibrado, é necessário acelerar e aprofundar a implementação de políticas distributivas. O desenvolvimento sustentável exige reorganização do trabalho e valorização do papel dos trabalhadores, com jornadas mais equilibradas que possibilitem mais qualidade de vida e tempo para atividades pessoais e comunitárias.

Nesse sentido, a ampliação da faixa de isenção do imposto de renda (IR), o aumento da taxação dos muitos ricos e a redução da jornada de trabalho têm impacto profundo sobre a redução da desigualdade social, influenciando diretamente a distribuição de renda e o acesso a melhores condições de vida. Essas mudanças têm potencial para criar um ciclo positivo que promova uma sociedade mais justa e equilibrada.

Em março de 2025, o governo federal enviou para o Congresso Nacional o projeto de lei 1.087/20251, que determina a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês. Se aprovado, passa a vigorar a partir de 2026 e vai beneficiar quase 10 milhões de contribuintes, que passarão a ficar isentos. A proposta inclui aumento da carga tributária dos que recebem acima de R$ 50 mil mensais, medida que afetaria cerca de 141 mil pessoas.

Essas mudanças estão de acordo com a pauta da classe trabalhadora entregue ao presidente Luís Inácio Lula da Silva pelas Centrais Sindicais, ainda em 2022. O documento incluía a demanda por uma revisão no imposto de renda com o objetivo de tornar o sistema tributário brasileiro mais progressivo. Atualmente, o sistema tributário do país é regressivo, pois contribui para aumentar a desigualdade social. A carga tributária dos 10% mais pobres é 6 pontos percentuais mais alta do que a dos 10% mais ricos.

Apesar de o imposto de renda ser um dos mais progressivos, na estrutura tributária nacional, tem alcance pequeno para reduzir a desigualdade:

  • apenas 27% da carga tributária incidem sobre a renda. Enquanto isso, os impostos indiretos, mais regressivos, representam 40% da carga tributária.
  • o número de faixas de renda e a alíquota máxima foram alterados ao longo das últimas quatro décadas, de forma regressiva. Hoje, além da faixa isenta, há outras quatro faixas, com alíquotas a partir de 7,5%. Na outra ponta, todos os rendimentos acima de R$ 4.664,68 têm a mesma alíquota de 27,5%, o que limita a progressividade do IR, já que quem ganha R$ 5 mil paga a mesma alíquota que aqueles que ganham R$ 50 mil.
  • a tabela de incidência do imposto de renda, que determina o valor a partir do qual uma pessoa passa a contribuir, não é atualizada pela inflação todos os anos, e ficou congelada entre 2016 e 2022. A cada ano sem reajuste, a tabela fica mais defasada, o que resulta em aumento no número de contribuintes e na alíquota média.

A proposta do governo federal visa reparar esse último problema, zerando o imposto para quem ganha até R$ 5 mil por mês, além de aplicar um desconto para as rendas entre R$ 5.000,01 e R$ 6.999,99 mensais. A nova proposta reduz a carga tributária para quem ganha abaixo de R$ 7 mil. Também prevê alíquota mínima de até 10% para rendas superiores a R$ 50 mil mensais, incluindo dividendos, antes isentos, além da tributação de 10% sobre remessas de dividendos para o exterior. Essas mudanças atingiriam apenas 0,13% dos contribuintes que hoje têm alíquota efetiva média de 2,54%.

A proposta de desoneração dos contribuintes com menor renda e o ajuste da contribuição daqueles que possuem alta renda corrigem distorções históricas do sistema tributário e promovem a equidade e a justiça social. Também aumenta o poder de compra dos trabalhadores, estimulando a economia. Mas ainda é preciso mais para que o sistema tributário caminhe para a progressividade, reduzindo a concentração de renda. Os trabalhadores lutam para que:

  • a tabela de incidência seja reajustada anualmente;
  • o número de alíquotas aumente, promovendo a progressividade do IR;
  • a carga tributária total seja composta cada vez mais por impostos progressivos, como o tributo sobre a renda;
  • as renúncias fiscais, como deduções e isenções sobre lucros e dividendos, sejam reavaliadas para evitar distorções;
  • os mais ricos contribuam mais para a construção de um país mais justo.

Tempo de trabalho e tempo de descanso: uma luta histórica

Não é exagero dizer que a própria origem da organização trabalhista ocorreu a partir de disputas sobre o uso do tempo. O Dia do Trabalhador é celebrado em 1º de Maio para marcar uma greve geral que reivindicava justamente a redução da jornada para 8 horas diárias, em Chicago, em 1886.

Em 2025, a atual pauta da redução da jornada de trabalho tem a ver principalmente com duas dimensões do uso do tempo: a extensão do tempo de trabalho e a distribuição do tempo de trabalho ao longo dos dias e semanas.

No Brasil, a jornada semanal (habitual) média dos assalariados é de 41h30; 47,0% deles têm jornadas acima de 40 horas; e 13,5% trabalham 48 horas ou mais. Uma jornada extensa limita o tempo para a vida social (família, lazer, descanso, qualificação) e aumenta os riscos de acidente e doenças.

Por outro lado, a desregulamentação da jornada de trabalho também leva 4,9 milhões de brasileiros a se declararem subocupados por insuficiência de horas - o que também significa insuficiência de rendimento.

A reforma trabalhista de 2017 acentuou a precarização dos dispositivos relacionados ao tempo de trabalho e disseminou o uso da jornada 12x36 (12 horas de trabalho seguidas por 36 horas de descanso), que deixou de ser caracterizada como exceção e pode ser, inclusive, negociada individualmente.

Também incentivou as modalidades de trabalho intermitente e trabalho parcial. Essas formas de contratação desarticulam a organização da vida social e tornam mais difícil a formação profissional dos trabalhadores.

Outra modificação introduzida pela reforma trabalhista foi a instituição do acordo individual para o estabelecimento de banco de horas, sem necessidade de negociação coletiva. Também foi eliminada a remuneração ao trabalhador pelo tempo despendido para deslocamento até o posto de trabalho, dentro da empresa ou em empresa de difícil acesso (horas in itinere).

A possibilidade de implementação da terceirização irrestrita e o teletrabalho também contribuem para a implementação de jornadas exaustivas, bem como para a intensificação do ritmo de trabalho.

Diante de todos esses elementos de desregulamentação das normas que estabeleciam limites para a exploração através da jornada de trabalho, o resultado da reforma trabalhista no Brasil tem se mostrado semelhante ao de outros países: ao mesmo tempo em que crescem jornadas intensivas e extensivas de trabalho, como a jornada 12x36 horas e a escala 6x1, também aumenta a proporção de trabalhadores com insuficiência de horas trabalhadas.

Atualmente, há várias propostas tramitando no Congresso Nacional para regulamentar o tempo de trabalho:

  • o projeto de lei 1.105/2023, do senador Weverton Rocha (PDT/MA), que regulamenta a redução da jornada sem redução de salários em acordos ou convenções coletivas de trabalho;
  • a proposta de emenda à Constituição 148/2015, do Senador Paulo Paim (PT/RS), que propõe a redução da jornada para 40 horas semanais imediatamente e um escalonamento anual para a diminuição gradativa até chegar a 36 horas semanais, sem redução de salário;
  • a proposta de emenda à Constituição 221/2019, do deputado Reginaldo Lopes (PT/MG), que propõe a redução da jornada de trabalho de 44 horas para 36 horas semanais em um prazo de 10 anos;
  • a proposta apresentada pela deputada Erika Hilton, que indica a redução da jornada de trabalho semanal de 44 horas para 36 horas semanais, sem redução de salário, com estabelecimento da escala 4x3 (quatro dias de trabalho com três de descanso) a partir da negociação coletiva.

A redução da jornada de trabalho sem cortes salariais, junto com medidas para controlar as horas extras e o ritmo de trabalho, pode melhorar significativamente a vida de quem enfrenta longas jornadas e, ao mesmo tempo, criar oportunidades para trabalhadores subocupados ou desempregados.

Ao contrário do que alguns críticos dão a entender, jornadas exaustivas não aumentam a produtividade da economia. A regulamentação do tempo de trabalho, por outro lado, além de melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, facilita a qualificação da mão de obra e reduz riscos de acidentes e doenças.

Por fim, ao debater a redução da jornada, é preciso recompor as regulações que tratam das escalas de trabalho, intervalos, deslocamentos até o trabalho em locais de difícil acesso e folgas. Também é essencial a revogação de negociação individual de dispositivos relacionados à jornada de trabalho e a retomada da remuneração de dispositivos ligados a jornadas excepcionais, entre outros elementos que relacionados ao tema.