Opinião

137 anos pós-escravidão: avanços e desafios para o povo negro no Brasil

Sob o ponto de vista de classe, a população negra é majoritariamente trabalhadora e pobre. As heranças da escravidão moldaram a estrutura econômica e social.


POR Raimunda Leone

Publicado em 19 de novembro de 2025


Passados 137 anos do fim formal da escravidão, o povo negro no Brasil continua lutando por liberdade real — uma liberdade que vá além da letra da lei e alcance as condições materiais de vida, trabalho, moradia, educação e dignidade.

A abolição de 1888 não foi acompanhada de políticas de reparação, inclusão social ou redistribuição de terras. Ao contrário, o Estado brasileiro abandonou à própria sorte milhões de homens e mulheres negras, enquanto incentivava a imigração europeia para ocupar os postos de trabalho formais e manter o racismo estrutural como base da organização social. Hoje, as desigualdades raciais se expressam de forma profunda: a maioria das pessoas negras está nas ocupações mais precárias, nos bairros com menos infraestrutura, nas escolas mais vulneráveis e entre as principais vítimas da violência do Estado. O genocídio da juventude negra e o encarceramento em massa são provas de que o racismo segue sendo política de Estado.

Sob o ponto de vista de classe, a população negra é majoritariamente trabalhadora e pobre. As heranças da escravidão moldaram a estrutura econômica e social, concentrando riqueza e poder nas mãos de uma elite branca e excludente. A luta do povo negro, portanto, é inseparável da luta de classes — lutar contra o racismo é também lutar contra o capitalismo e suas desigualdades.

O recorte de gênero revela uma realidade ainda mais dura para as mulheres negras. Elas são as que mais sofrem com o desemprego, com os baixos salários, com a violência doméstica e policial, e são as primeiras a enfrentar as consequências das crises econômicas. No entanto, também são protagonistas nas lutas populares, no sindicalismo, nas comunidades e nos movimentos de mulheres. São as herdeiras de Dandara, Luiza Mahin, Lélia Gonzalez e Marielle Franco — símbolos da resistência e da esperança de um Brasil mais justo.

Nos últimos anos, houve avanços importantes, fruto da mobilização popular e das políticas de inclusão: ampliação do acesso ao ensino superior, cotas raciais, fortalecimento de políticas afirmativas e valorização da cultura afro-brasileira. Contudo, esses avanços estão sob constante ameaça, diante do avanço do conservadorismo e do desmonte das políticas públicas.

Celebrar o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, é reafirmar o compromisso com a luta por reparação histórica, igualdade racial e justiça social. É lembrar que a liberdade verdadeira só existirá quando o povo negro, trabalhador e pobre, tiver garantido o direito de viver com dignidade, sem racismo, sem exploração e com igualdade de oportunidade.

Desafios atuais para a classe trabalhadora e o povo negro

A classe trabalhadora brasileira enfrenta hoje um cenário de profunda precarização, desigualdade e ofensiva neoliberal. As reformas trabalhistas e previdenciárias, a uberização e a informalidade crescente retiraram direitos históricos, enfraquecendo a organização sindical e ampliando a exploração.

Para o povo negro, esses desafios são ainda mais duros, pois o racismo estrutura o mercado de trabalho e define quem tem acesso às melhores condições de vida. Assim, raça, classe e gênero se cruzam, reproduzindo desigualdades históricas.

1. Precarização e desemprego estrutural
A maioria da população negra está nas ocupações mais vulneráveis: trabalho doméstico, serviços informais e subempregos. O avanço das plataformas digitais e da automação intensifica a instabilidade e reduz direitos. O desafio é reconstruir um projeto de desenvolvimento com geração de empregos de qualidade e valorização do trabalho.

2. Racismo estrutural e genocídio
O racismo continua sendo política de Estado: jovens negros são as principais vítimas da violência policial e do encarceramento em massa. A necropolítica atinge sobretudo as periferias. É urgente enfrentar o genocídio da juventude negra e garantir políticas de segurança pública baseadas em direitos humanos.

3. Desigualdade de gênero e invisibilidade das mulheres negras
As mulheres negras são maioria entre as chefes de família, recebem os menores salários e estão mais expostas à violência doméstica e institucional. O desafio é fortalecer políticas de igualdade racial e de gênero, garantir acesso a creches, saúde e emprego digno, e valorizar a participação das mulheres negras nas decisões políticas e sindicais.

4. Enfraquecimento das organizações coletivas
O individualismo e a despolitização dificultam a mobilização. O desafio é reconstruir a consciência de classe e a solidariedade, fortalecendo os sindicatos, movimentos sociais e coletivos de base.

5. A luta por representação e poder político
Mesmo sendo maioria da população, negros e negras ainda são minoria nos espaços de poder. O desafio é ampliar a representação política da classe trabalhadora e do povo negro, elegendo lideranças comprometidas com a transformação social e com um projeto popular e antirracista.

6. Defesa das políticas públicas e dos direitos sociais
Educação, saúde, cultura e moradia vêm sendo desmontadas. O desafio é reconstruir o Estado social, investir em políticas de reparação histórica e fortalecer programas que combatam o racismo.

Os desafios da classe trabalhadora e do povo negro estão profundamente interligados. Não há emancipação da classe sem o enfrentamento do racismo e do patriarcado. A luta por um Brasil justo e democrático exige unidade de classe, consciência racial e protagonismo das mulheres negras – pilares para um novo projeto nacional de desenvolvimento, com soberania, igualdade e valorização do trabalho.

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Raimunda Leone

Secretária de Combate ao Racismo da Fitmetal, secretária-adjunta de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da CTB e secretária-geral da CTB-RJ.